Escritos entre janeiro de 2021 e junho de 2023, os poemas que compõem As Nuvens de Netuno são fruto — para além da pura necessidade de escrever — de uma descoberta de si, do eu lírico, da voz que urge por ser ouvida. Os trinta textos, divididos em quatro partes pensadas para dar uma ideia de progressão (como se estivéssemos, o autor e o leitor, chegando de fato a algum lugar) e dão forma a um universo particular e percepções da realidade.
O livro aborda, essencialmente, quatro temas bem distintos:
1. O contraste entre apreensão e expressão (metalinguagem da escrita);
2. O exercício das fascinações pessoais (apoteose dos insetos);
3. A experiência da ruptura (a perda em suas formas mais distintas);
4. A urgência da denúncia social (a distância entre poesia e realidade).
Como transcrever no poema o que apreendemos e de onde vem a necessidade de
fazê-lo? Por que os insetos são atraídos pela luz? O que é o luto, a perda, a morte? Quão cruel a realidade, sobretudo a brasileira, pode ser; e será possível mudá-la através da poesia? Foram essas as perguntas que nortearam a escrita deste pequeno livro.
Alguns poemas são curtos, outros nem tanto. Alguns têm títulos que os enunciam e complementam, outros não passam de frases. Todos, porém, surgiram do amor incondicional pela palavra, da busca incessante por respostas e da vontade de transformar o mundo.
Por fim e a quem possa interessar, enquanto as nuvens na Terra são feitas de água (e nas quais enxergamos rostos de bebê e ursinhos), em Netuno elas são de metano, um dos principais gases do efeito estufa, tóxico para nós em nossa pareidolia infantil.
Naaman Blanco nasceu em Lunardelli, Paraná, no ano 2000. Já em Uberlândia, Minas Gerais, conheeu e se apaixonei pela literatura nas aulas de português do fundamental. Começou a se aventurar na escrita na adolescência, quando teve o primeiro contato com Edgar A. Poe, Ferreira Gullar e Paulo Leminski. Frustrado com a empreitada, porém, deixou a poesia de lado até janeiro de 2021, quando, já com a devida bagagem e de olho na realidade, voltou a escrever.
Dois Poemas do Livro
O voo de Ícaro
quando
em 1879
Thomas Edison
criou a lâmpada
não lhe passou pela mente
que no Brasil
numa vila rural qualquer
no norte do Paraná
(cento e quarenta e um
anos depois)
sobre uma mesa ordinária de tábuas
numa noite quente de primavera
sob esta mesma lâmpada
besouros e mariposas
em suas armaduras de inseto
e sobretudos de pó
travariam uma guerra
— em batalhas como as blitzkrieg —
somente para alcançá-la
em seu brilho doce
e alaranjado
perecendo sob ela
entre pousos e decolagens
(sim, tal qual os aviões)
como se sua vida
sua gana
não passasse de um voo
um breve voo
até este sol
elétrico
e comercial
Sistema
durante uma abordagem
um homem passa
com um abacaxi na mão
tá olhando o quê, neguinho?
(e um empurrão)
caem corpo e fruta
q u e b r a d o s
no chão