CONTORNO, DIÁSPORA apresenta os movimentos (geográficos, simbólicos, sociais e afetivos) de uma família belorizontina de pele negra ao longo de cinco gerações.
Escrito na forma de poema narrativo, mas também friccionando poesia e dramaturgia, o livro revisita a história do desenvolvimento da cidade de Belo Horizonte/MG, desde uma perspectiva afrorreferenciada. Desta forma, é oferecida ao leitor uma reflexão sobre a presença e relevância dos povos negros na dinâmica da cidade, assim como dos conflitos raciais e sociais que marcam a sua construção.
Sinopse
Deocleciano era sujeito ossudo, dado aos tabacos e caldo de cana. Nasceu cresceu junto com a cidade de Belo Horizonte. Passou a vida levantando derrubandoremendando memórias feridas canteiros. Com dona Elvira teve filhos netos bisnetos tragédias latas de água cimento pra carregar. Carregaram as alegrias feridas esperanças desesperos e uma só certeza: a de que era necessário con-ti-nu-ar.
Leo Mascarenhas é belorizontino, gestor e produtor cultural e arte educador.
Possui experiência nas áreas de teatro (atuação, dramaturgia, direção e iluminação), arte e educação, produção e gestão de projetos culturais, literatura marginal e educação popular. Realiza experimentações artísticas desde 2013, sobretudo no campo do teatro, da poesia e da educação.
Entre seus principais trabalhos estão "Arcaico" (2014, livro), "Pequena coleção de poemas filosóficos" (2018, livro digital), "Palácio dos Urubus" (2019, atuação em espetáculo teatral), "Uma frase curta que nos defina" (2019, atuação em espetáculo teatral), e "Adotivo" (2022, direção, dramaturgia e desenho de luz em espetáculo teatral).
DEOCLECIANO
aos dez Deocleciano
aprendeu a capinar a limpar pasto
passou dez anos fatiando fazendas
pra que senhores bem vestidos decidissem
quais avenidas ganhariam seus nomes
e sobrenomes
pra depois fazerem negócios imperdíveis
cachoeirinha
silveira
santa inês
nova floresta
ipiranga
floramar
e além
com a enxada de Deocleciano
foi nascendo toda uma cidade
da capina pra colher pro prumo pra argamassa
foi um passo
aos trinta já tinha levantado
mais de dez casas
ajudado a pôr ordem na rebeldia do córrego do leitão
são paulo tupis padre belchior
abaixo
nunca ganhou mais que o suficiente
pros custos básicos da vida
mas chefiou serventes velhos e garotos
dizem que ficou tão bom
que conseguia ouvir o que o canteiro pedia
pra não tombar
sem cálculos nem diplomas
só escutava
a massa o estalar dos ferros
a água correndo pelos canos
os vergalhões criando raízes
o chão procurando o melhor jeito de enterrar
sem rugas sem memórias sem feridas
aqueles rios aqueles pastos
aquela gente velha
MARLI
Marli desde pequena
era só dúvida e solidão
diziam que custou a vingar
prematura
e que passou mais de cinco meses
na maternidade hilda brandão
primeira dúvida
aos seis
não entendia a aspereza do pai
os silêncios da mãe
segunda dúvida
aos treze não entendia
a vontade tamanha das amigas
em atiçar os meninos
terceira dúvida
aos vinte não entendia
a própria falta de interesse
nos esmaltes nas discotecas na datilografia
queria mesmo era viajar
foi trabalhar como atendente da gontijo
vezenquando embarcado na aventura de três dias
de viajar alargando as estradas até teófilo otoni
mas isso só depois de passar um ano
estudando inglês
pra tentar a vida como aeromoça da varig
até que no dia da entrevista
finalmente compreendeu algo:
Bem-vindo à loja oficial da Editora Toma Aí Um Poema (TAUP), um espaço dedicado à celebração da literatura em suas múltiplas formas e vozes. Desde 2020, publicamos e promovemos obras que desafiam o convencional, oferecendo um catálogo diverso que valoriza autores de minorias sociais, incluindo mulheres, pessoas LGBTQIA+, negras, indígenas, neurodivergentes e outras vozes historicamente marginalizadas. Aqui você encontra poesia, ficção, ensaios e publicações que transcendem os limites do tradicional.