Do amor: a dor. é um compilado de cartas e contos que exploram os sentimentos mais profundos de uma jovem mulher. Antes de conhecer a dor do amor romântico, ela experimentou as marcas da dor nos primeiros afetos, ainda no núcleo familiar. Apesar de revestidos por tons fictícios, cada texto revela a visão e os sentimentos de quem viveu intensamente essas relações.
A obra também aborda a angústia gerada pela não aceitação de sua sexualidade e os transtornos provocados por paixões avassaladoras vividas entre os 18 e os 21 anos. Mais do que um livro, este é um relato que me desnuda: sou, além de autora, a personagem principal de tudo.
Ingrid Sá é natural de Montes Claros, no norte de Minas Gerais, onde nasceu em 3 de novembro de 1996. Mulher lésbica, casada, é apaixonada por animais e se considera mãe de três: dois gatos — Oswald e Pagu — e uma cachorrinha, Joana. Formada em Jornalismo pela Funorte, sempre cultivou uma paixão pela literatura, que a acompanhou ao longo de sua carreira como repórter e apresentadora. Atualmente, atua como redatora.
Escreve cartas, contos e crônicas desde a adolescência. Observadora atenta, encontra no cotidiano a inspiração perfeita para transformar pequenos momentos em grandes histórias.
Do amor: a dor. é seu livro de estreia.
A faca que me corta a ponta do dedo afasta o tato, me tira o toque da textura da tua pele. Me submeto a preparar coisas que não como quando a minha única fome é você. Eu não sei como as palavras podem escorrer sobre o papel, mas a saudade vazou dos meus olhos até a ponta das minhas mãos - imediatismo não é somente a doença do século é também o meu desejo da tua boca. Domingo à tarde, tento gastar o tempo entre uma xícara e outra de chá, sessões cansativas de fotos, olhar blasé, monumento desse dia caótico sem o castanho da tua câmera de gravar o mundo, instalada em duas lentes no teu rosto perfeito que sustenta o teu queixo e te faz ser a mulher com o maxilar mais bonito que conheço. Sinto nas minhas costas este chão gasto, frio e irregular, meu corpo não se ajusta a outra coisa que não nas tuas curvas. Meus períodos curtos, minha fala turva e meu peito cansado; grito baixinho, atenta ao corredor escuro dessa casa de paredes de nós - sei que você sorri quando gozo com as coxas quentes e trêmulas.
A faca que me corta a ponta do dedo encoraja-me a ir atrás do tato, me aflige o desespero de querer o gosto da textura da tua pele.
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Sabe, essa é mais uma daquelas aulas da quinta-feira em que nada é compreensível - não para mim. Falam alguma coisa sobre marketing ou qualquer balela parecida. E eu só penso em literatura... ou em te mandar um fax, caso eu soubesse como se manda um. É que tenho lá esse apego por coisas velhas e por isso te amo tanto - esse nosso amor tão antigo, de gente que alimenta os pombos na praça só para gastar o tempo. Me sinto tão desassossegada sentada nessa cadeira azul, nesse canto de sala feito um jarro de margaridas esquecido e empoeirado na estante. Ouvi outro dia, numa conversa, daquelas que ouço e presto atenção sem ser convidada, que azul é uma cor triste. Talvez por isso agora eu me mexa tão inquieta posta nesse monte de aço e plástico azul, um assento triste. Verifiquei todas as suas fotos e está confirmado: você nunca usa azul. Azul é mesmo uma cor triste, do contrário todos os seus vestidos seriam de flores estampadas num tecido azul. Desculpe-me, eu só penso em literatura. A propósito, falam de assessoria, mas eu só queria te escrever em poema.
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São Paulo, 08 de abril de 2021.
Cecília,
Não sabia por qual dos finitos pseudônimos te chamar para iniciar essa carta... ainda temos? Nomes, apelidinhos, vocativos… (?)
Ouvi a sua nova playlist, que tá duplicada na galeria, aliás. Uma delas tá meio “xoxa”, mas, a outra... achei tão a nossa cara. Por aqui mais tédio que toddy, Cêci, porque aos poucos a vida nos leva mais pra esse rumo mesmo: ‘desachocolatado’, com pouco açúcar - porque faz mal pra saúde e também sem muito sal porque faz mal pra saúde. Não é uma vida morna, antes que me faça essa pergunta. Você sabe que sou daquele tipo inflamada, quase uma febre ambulante, porque nada morno presta. Semanas antes de decidir dar uma virada na minha vida, lembrei também que antes do toddy ser mais que o tédio, era tudo ‘deboinha’ por aí... só que aí foi deixando de ser e virou só acaso mesmo. Virou vazio. Mas, se fosse tão vazio assim, não teria a gente lá no fundo, sentadinhas no cantinho do oco, implorando pra não esquecer e não ser esquecida. Porque acho que a gente se prometeu e ‘desprometeu’ isso; só que a promessa foi o que valeu e eu não te esqueço. Hoje é o seu aniversário, ainda lembro.
Daqui, você sabe: com o sempre amor que nunca passou…
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Quem bate na porta há essa hora só pode ser por amor.
E não estava trancada. Fiz chá de cevada outra vez. Fica servida? Não posso mais com café tão forte. A vida é tão forte. A dor é tão forte. Algo precisava enralecer. Que fosse o café - ele já andava meio morno mesmo e eu também.
Se quiser se sentar, tire os gatos do sofá, empurre as plantas. Mas, quem vem há essa hora só pode ser por algo grave; pressinto que seja por amor.
Vi que reparou nos jornais. Não leio nada de agora. E, aliás, como vai tudo por aí? Eu avisei que os pombos tomariam conta da cidade. Tire os sapatos e ouça: os tacos fazem ruídos graciosos. O violão cor de pudim perdeu as cordas. Toco com o chão. Danço no chão. Canto com o chão. A letra você sabe.
Já é tarde! Por que veio mesmo? Claro!... Só veio por amor.
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