O livro dos acasos — Juliano da Silva Lira

O Livro

“O livro dos acasos” é um romance fragmentado que traz ao leitor diversos questionamentos sobre costumes morais da contemporaneidade. Por meio de um narrador satírico, descrevendo suas andanças pela cidade mais alta do estado de Pernambuco, são expostos temas como: harmonização facial, utilização exagerada dos celulares e constelação familiar. Neologismos e personagens singulares marcam, com muitos sorrisos, o grandioso encontro entre o filosófico e o literário.

O Autor

Juliano é mestre em teoria da literatura pela Universidade Federal de Pernambuco, e bacharel em letras pela mesma instituição. O autor possui algumas poesias publicadas pelas antologias da TAUP. Em 2022 recebeu menção honrosa no 1º concurso literário realizado pela Academia Metropolitana de Letras e Artes de Feira de Santana. Em sua carreira, possui alguns artigos publicados em revistas acadêmicas e capítulos de livros teóricos sobre literatura. Atualmente trabalha como redator, além de estar inscrito no mestrado de filosofia da UFPE como aluno especial.

Alguns Trechos do Livro

“Contava-me o amigo Ariovaldo de um susto. Tendo ele levantado na sexta para ir à feirinha, após fechar portinhola da residência, percebera um homem igual a si na casa ao lado, um duplo. Em vida, só tomei conhecimento de algo semelhante nos escritos de Dostoiévski. E ele continuou por narrar que, ao chegar ao seu destino, percebera mais três homens iguais. Aquilo começava a me pôr uns arrepios, pois não estávamos em campo de ficção. Paulatinamente, continuou a descrever seus trajetos e os homens iguais pareciam brotar das esquinas, bares e bueiros. Interrompi o amigo. Saí a ver na rua aqueles desarranjos com os próprios olhos. De fato, tratava-se de cópias perfeitas. Correndo aos tropeções, quase desfaleço por desespero na tentativa de chegar ao centro e atestar aquilo de melhor ângulo. A minha paz veio quase ao fim de trajeto. Prestes a dobrar na avenida, choquei-me com uma multidão em fila para adentrar o novo estabelecimento do município: uma clínica de harmonização facial. “

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“Corajosos são aqueles que saem para ver suas paixões partirem. Partem eles também à sua maneira: quebram, espatifam. E qualquer descuido de vento, sob ausência do outro, faz saudade deslizar por peito adormecido, a desabrochar da alma contos de mar e amor. Do pertencer à linguagem poética, constata-se grandeza de sentimento. Assim, Ilana permeava boa parte dos meus escritos desde seus afastamentos. Amar, então, era realmente deixar partir. Por dois lados e duas formas distintas.”

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“Tenho saudades de Ilana de Belli. Por mais atrativas que sejam as vistas da Serra, a vida não é sobre os lugares, é sobre as pessoas. O mais alto pico do estado, após a partida dela, ganhara a cadência de uma planície qualquer. Dentro do oásis de todo o sertão, estava só, a ver desertos. O pedalinho, outrora recanto de cisnes altaneiros, agora, sob o amor não concretizado, caiu na zona das trivialidades. Como complemento, os vizinhos, antes invejosos do belo casal, graduaram-se instantaneamente nas artes das conselharias amorosas. Estes vivem a causar-me calafrios! Não há tardes sem as memórias com Ilana, por bem ou por mal. Quando encontrar em outras moças bons costumes e companhia, isso ainda não há de passar, confio. Quem esquece um amor depois de suposta resiliência confirma dentro de si o tamanho da mentira”