OUTONO EM OUTUBRO é uma seleção de alguns poemas que escrevi ao longo de três décadas, desde quando fui impactado profundamente pela poesia. Eu tinha dezesseis anos, era um pouco afeito das coisas tétricas, quando os poemas de Augusto dos Anjos me pegaram de forma avassaladora, com sua capacidade de me induzir, enquanto leitor, não só a trafegar por atmosferas que trascendiam meu pensamento e entendimento, mas me causavam satisfação expressiva. Fernando Pessoa catapultou isso mais ainda, enquanto Arthur Rimbaud trouxe uma outra forma de elaborar simbolicamente a expressão.
Escrever poesia sempre foi, para mim, uma forma de elaboração interior. As palavras que se concatenavam e começavam a se juntar para dar sentido e explodir num furor poético, eram minha ferramenta para lidar com os dissabores cotidianos, ampliados pelas dificuldades trazidas pela dislexia. A poesia, então, passou a ser um importante elemento de leitura, assimilação e comunicação com meu entorno e, em minha vida, deu seu contorno.
Os poemas são compostos de experiências do sentir, em sua maior parte ligadas a paixôes e afetos, que em sua maioria foram compartilhados com as personagens envolvidas como elementos da comunicação nestas relações. Mescla linguagens, são permeados por arte e existencialismo e se valem disso para que a comunicação seja feita sobretudo fora de padrões moralizantes, respeitando o que as pessoas de fato vivem, falaram, sentem, fazem. Para além das pessoas e situações a que foram dedicados os poemas eram publicados em um blog (Pescador de Pensamentos) onde escrevi por anos e posteriormente nas redes sociais.
Sempre tive uma relação muito peculiar com o outono. Esse período de transformação da natureza que muda a sua roupagem a fim de preparar o solo para a nova estação cumprir seu ciclo, sempre reverberou simbólicamente em minha vida, trazendo reflexão e ressinificação. Nasci em outubro, nos primeiros vinte dias da primavera, mas costumo dizer que “completo outonos” a cada ano. Desta forma, chegando na casa dos cinquenta outonos, considerei muito justo que o título desta coletânea estabeleça estas conexões. Lançar este primeiro livro de poesia é a realização sem precedentes de um desejo regado de amor e afeto.
ACUMULADOR EMBEVECIDO
Para o Bispo do Rosário
Enlouquecido?
Apenas deixei
as portas abertas
e tornei-me
sagaz acumulador.
Costurei pensamentos
enrolei desejos
com barbante
forte e incolor.
Inverti os dias
do calendário,
invoquei a fé
do Bispo do Rosário,
que em ditado
propôs num instante
que eu fosse mais um amante
da divindade que a arte
em mim plantou.
Enlouquecido?
Embevecido!
TABLEAUX VIVANTS
Quando o tempo
colar a ferida,
tu lerás tardiamente
o que em paixão
te dei no presente.
E lembrará do moinho
que te devora
enquanto solto
poemas-pipas
d'alma minha
nos ventos revoltos
do destino,
sem tirar
Cartola
da cabeça.
Aconteça.
Mereça.