Pequenas Histórias (para gente de todos os tamanhos) reúne contos curtos que têm como ponto em comum serem protagonizados por crianças. Os enredos passam pela alegria e inocência da infância e também tocam em pontos polêmicos, como violência, abuso, negligência, excesso de repressão, diversas dores que afetam profundamente os seres em formação. É um conjunto de histórias para provocar nosso olhar sobre a infância, tanto nos seus aspectos mais doces, quanto mais amargos.
Jornalista e escritora, natural de Porto Alegre, Jeane Bordignon lançou em 2014 o livro Brado Carmesim, de poesia, e participou de diversos fanzines e coletâneas. Em 2023 publicou a novela "É mais simples do que parece". Posta seus poemas no instagram @jeanebordignon. Também faz parte do coletivo Nós, as poetas (www.nosaspoetas.com) e assina uma coluna no site Seguinte: (www.seguinte.inf.br).
O Segredo da Chapeuzinho
A menina ajeitou novamente a toalha sobre os doces e saiu carregando a cesta, balançando os cabelos divididos em duas maria-chiquinhas e a saia do vestido rodado que cobria os joelhos. Atravessou o portão que dava para a parte dos fundos do terreno, já avistando a casa de pintura tão desbotada que nem se adivinhava mais a cor. A avó paterna morava ali há anos. Já a menina e a mãe estavam sozinhas na casa da frente não fazia muito tempo.
Chamando pela avó, a garota foi abrindo a porta. Só encontrou o pai, sentado no sofá da sala, com aquele olhar que assustava mais do que os olhos enormes do lobo mau.
O Caminho
Com a colher meio torta que silenciosamente pegara na cozinha e escondera no bolso da calça, ele raspava pedacinhos da parede. Por várias noites sem sono dedicou-se a cavar o buraco, que disfarçava com cuidado, encaixando de forma minuciosa alguns pedaços de tijolo. Pedaços do reboco já haviam cedido em outros pontos, ninguém notaria mais um.
Enfim, tinha espaço suficiente para a passagem de seu corpo franzino. E à noite aquele canto da parede ficava totalmente escondido pelo escuro, podia entrar sorrateiro, só dentro do túnel acendia a pequena lanterna. Do outro lado, a biblioteca da escola que fazia fronteira com o bairro miserável de onde vinha o garoto.
Dudu
Era um menino tão bonzinho, tão quietinho, sempre limpinho, tão educadinho... assim a mãe o descrevia para visitas e amigas. Dudu ouvia de cabeça baixa, mãos sobre os joelhos, esperando o consentimento da mãe para ir brincar com sua coleção de carrinhos, que pareciam tão novos como se nunca houvessem sido brinquedos.
- Cuidado com a roupa! – a mãe lembrava antes que ele pudesse esquecer, antes até que ele colocasse o primeiro carrinho sobre a mesinha do quarto de brincar.
Menina-poesia
Era uma menina que queria ser poesia.
Quando perguntavam:
- O que você quer ser quando crescer?
- Poesia! - ela respondia jogando os bracinhos pro ar. E depois completava, muito séria – Mas não quero só quando for grande, quero ser poesia já agora.
Travessarte
Pietro certificou-se de que a mãe pegara mesmo no sono enquanto assistiam a um filme, logo após o almoço. Ele deslizou do sofá e saiu na ponta dos pés. Já na varanda, pegou a coleção de pistolas de água e alinhou sobre a mesa, junto os potinhos de tinta guache que trouxera do quarto. Quase encheu as pistolas na torneira, depois terminou de preencher cada uma com uma cor de tinta. Concentrado, levou os brinquedos até diante do muro caiado. Disparou toda a munição, duas armas de cada vez, espalhando o máximo que conseguia. Com a respiração ofegante e as mãos salpicadas de cores, olhou com orgulho para o muro. Vontade de chamar a mãe e apresentar a obra... mas outra ideia já brilhava em seus olhos.
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