SOLFEJO DE SERPENTE SERPENTINA surgiu de um esforço de longa data: afastada de todos de minha cidade natal para estudar direito em Recife, fazendo de tudo para afogar meus próprios sonhos para me encaixar no mundo, me encontrei no meio de um episódio depressivo. Morava sozinha e tinha toda a extensão da minha quitinete para dar espaço às reinações na minha cabeça, e deixei o imaginário por trás dos meus olhos criar raízes. Enquanto escrevia para processar minhas próprias frustrações, me perguntei: e se essa poesia pudesse ser traduzida para o audiovisual?
Esse questionamento me levou ao “solfeggio literário”, perfil do TikTok onde às vezes me divirto declamando meus textos com um estalar de ASMR no fundo, enquanto busco passar as sensações que descrevo com vídeo. “Solfeggio” pela minha crença de que, assim como as frequências de solfeggio nas sinfonias são capazes de levantar emoção e promover cura de espírito e mente, a palavra falada — a poesia, o literário — também é. Seja tocando nas partes mais suaves ou encarando as emoções mais difíceis que fazem parte do espectro humano, a palavra falada pode evocar mudança e sensação, tanto para o criador quanto o receptor. Queria desabafar e me conectar com outros perdidos como eu. E consegui.
O sucesso desse experimento pode ser comprovado por edições que somam, por exemplo, mais de quase 70K de visualizações, assim como o feedback adorável de algumas centenas de pessoas nos comentários. A obra, é uma mistura de textos divulgados e inéditos, de forma a justificar o investimento monetário, e também se propõe a fazer a interação literário-digital, por meio da agregação dos QR codes nos textos com narração disponível. Voltado para o público adolescente e jovem adulto, meus maiores engajadores no TikTok, o projeto tem interesse em colaborar com a geração ao instigar mesmo aqueles que não tem interesse na leitura a experienciar a poesia no meio digital.
QR codes inspiram curiosidade e é amplamente sabida a afinidade da geração Z e posteriores com as redes. Mas esse é apenas o canto da sereia inicial. A alma desse livro circula em torno das premissas: até onde vale a pena matar suas verdadeiras aspirações pelo mundo exterior? Desde o início, quem foi você realmente? Ainda dá tempo de voltar para casa (até você mesmo)? Como permanecer autêntico num mundo que quer tirar tanto da gente? É um convite de volta para o genuíno e o suave, às raízes da infância, o que poderia ser reconhecido como resgate da criança interior.
Solfejo de Serpente Serpentina tem um nome enrolado para a sensação enrolada que é estar entre você mesmo e as ambições de uma realidade capitalista. Dividido em três partes e com uma divisória entre textos que desenhei no Autodesk para lembrar um S e a textura de uma serpentina, o livro passa pelas três fases da jornada de quem quer se reencontrar: estar em contato com o imaginário da infância, se perder quando cresce, e tentar traçar tudo de volta até você mesmo. Assim, é passível de gerar conexão com o público alvo em função da escolha difícil a ser feita pelos adolescentes no vestibular e pela crise que muitos jovens na casa dos vinte anos enfrentam em relação às próprias escolhas e a consolidação adulta da própria identidade. Mais do que tudo, chama para continuar desafiando a realidade ao permanecer sonhador e gentil apesar de tudo.
Blanda Uchoa cresceu, mas não deixou de acreditar em mágica. Nascida em 2002, em Recife, e criada em Fortaleza, onde atualmente reside e cursa Comunicação Social na UFC, dedica-se a colecionar cadernos empoeirados com poesia escrita à mão e projetos secretos. Ainda no ano de 2023, publicou de forma independente, na Amazon, o conto “Nós Afundamos No Mar Azul”. Gosta de atuar no teatro, pintar sem compromisso e professar seus sentimentos mais profundos em textos para estranhos verem na internet. Às vezes, faz os três ao mesmo tempo e compila em vídeos com pedaços de filme e desenho animado. Você pode encontrá-la perdida em alguma floresta anciã ou como @solfeggioliterario nas redes sociais.