tire as bolhas da seringa antes de aplicar o líquido é escrito no gênero poesia, variando a forma entre textos longos, fragmentados em partes, textos curtíssimos, e breves coletâneas de textozinhos que fazem um sentido juntos.
Os escritos têm sempre a ver com a transição de alguma maneira ou com observação e interação com o mundo de uma perspectiva outra.
Os temas que se espalham pela obra trazem traços de intimidade e relações interpessoais, perpassando os afetos, o amor profundo, passado e presente, e também violência e abuso.
Além disso, é mostrada a relação de marginalidade do corpo diferenciado com a cidade e os acessos, marcada também pela violência.
O livro é caracterizado pela experimentação estética e pensado para ser lido em uma sentada, como um sopro de sensações, apesar de ter conteúdo para ser absorvido em diversas idas e vindas. Exatamente por isso tem um fôlego mais curto, para não ser extenuante.
Juno Cipolla, 30 anos, pronomes variados, é brasileire, nasceu e sempre viveu em São Paulo. Tem formação oficial em Letras pela USP e informal em artes diversas. É artista multimeios e escritore, trabalhando para viver com revisão e edição de livros e textos. Como pessoa trans não binária tenta, por meio de sua produção, expressar o que é viver no não lugar, nas fissuras da normalidade, e como isso pode ser acolhido. Na vida pessoal, ama gatos e plantas, e passar o tempo comendo e/ou assistindo netflix, ou conversando com sua rede de afetos. Tem um texto publicado na Resistência dos Vaga-lumes, coletânea de textos LGBTQIAP+, e o livro de poesia Ainda não sei seu nome mas adoro essa polêmica prévia em pré-venda pela editora Patuá.
DESORDEM
veja essa imagem de uma meninae
corrompida pela nova pele de
testosterona
daqui os contornos parecem inúteis
os riscos descem pretos pela dobradura do ombro
joelhos e nas juntas dos dedos
essas carnes por baixo das peles embaixo dos pelos
esses pelos masculinos entre seus peitos
você pega um punhado de gel e
uma porção de folículos para produzir
tufos delicados
como um gatinho
elu queria um bigode
mas não esperava ter um rosto
quadrado geométrico
as mãos ficam pequenas quando abraça a travesti antes de dormir
aqui ela fala “a travesti” como se fosse a moça
“aqui ela abraça a moça antes de dormir”
não soa o mesmo
aqui o não binário abraça a travesti e vão dormir.
*
um dos meus namorados queria morrer
os ratos no seu corpo têm forma de
cigarros assim como seus dedos
espero que seja enterrado com a
minha camisa porque eu não
caibo nas roupas dele
vou na casa da sua namorada
e você me tatua numa cadeira
giratória
pergunto se posso gritar -
mas não quero que se assuste
você me embrulha em plástico
e vamos dormir os 3
na cama com ar refrigerado
vocês dormem demais pra mim