Nove olhares são vítimas de um encontro escuso com o sobrenatural. Ao acompanhar estas jornadas incômodas, somos postos a encarar nossas próprias covardias e medos – da angústia da culpa, do amargor do luto e, derradeiramente, da própria morte. Seja através de um homem bem-sucedido e enfeitiçado por seus privilégios, que sente a fisgada da ansiedade ao temer que tudo seja uma farsa; ou de Emília, que em um funeral comovente, presenteia sua falecida avó com um cuspe; ou de um cético senhor, que à beira da viuvez, testemunha sua adoentada esposa experimentar tratamentos esotéricos e sombrios. Há uma risada a ser tirada, seja de sadismo ou desespero, ao presenciar o veneno do medo intoxicando as relações; a paranóia social crescendo à sombra do abandono; e a sanidade fraturando-se diante do desconhecido. São, por fim, tragédias – inflamadas por ambições cínicas – que compõem esta macabra coleção de ironias.
FELIPE MARTINS PEDROSA nasceu em 1998, enquanto estava de passagem pela cidade de Maceió, estado de Alagoas. A naturalidade é uma formalidade, pois cresceu mais potiguar que alagoano. Desde pequeno gostava de histórias, dos teatros de bonecos até as mesas de RPG, e - mais tardiamente - aderiu aos contos. Escreve aquilo que lê; fã de terror e ficção científica; se inspirou na elegância das histórias pulps para escrever as nove narrativas que compõem o livro Todo Peixe tem Espinha e outros Contos
"Embora eu tenha entrado naquela fúnebre tumba de ferro temendo encontrar terrores semelhantes aos que presenciei nas trincheiras da Áustria, absolutamente nada haveria me preparado, nem meus anos de insensibilização contendo insanos violentos em hospícios nem meu período cortando tendões e serrando ossos de pacientes aos gritos em tendas militares; nada haveria me preparado para o momento que a porta rangeu arrastada, revelando o cômodo.
Pois era uma visão de pura angústia e desespero. O balançar pêndulo da lâmpada presa ao teto no ritmo das ondas do mar revelava ora sim, ora não, a face cadavérica do que me informaram ter sido uma pessoa. Aquilo estava amarrado firmemente à cama em que foi confinado enquanto tremia em espasmos rítmicos tão poderosos que levantava as grades de ferro. Os óculos de grau dançavam no chão do cômodo, enquanto o odor de fezes, urina velha e “só deus sabe o quê” invadiam minhas narinas e me rasgavam por dentro em uma dor aguda inédita, que me proporcionou uma enxaqueca incessante. Por vezes, quando me recordo do odor ou penso senti-lo novamente em uma brisa vagueante, a dor incapacitante me recorre novamente, e me joga vividamente ao inferno daquele cômodo.
Aquela coisa que me despia de qualquer esperança na ciência que havia aprendido, pois meu estudo é o dos vivos, e aquilo mexia-se, mas de forma alguma – por Deus, de forma alguma – era como eu ou você. Mexia-se como uma folha morta balança no vento ou as águas turvas são carregadas para afogar marujos. Não era a vital divina e inexplicável, mas a energia negra do abismo que abria seus lábios secos e rangia seus dentes apodrecidos. Foi assim, em um rouco sussurro de uma voz arranhada, que palavras desconhecidas foram cuspidas da criatura junto a saliva e sangue, em um engasgar aterrorizante e afogado que se fincou profundamente em minha alma, de maneira que esquecerei meu próprio nome antes de esquecê-lo.”
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
Todo peixe tem espinha / Felipe Pedrosa. Editora Eu-i, 2024.
116 p.; 12 X 18 cm
ISBN 978-65-83046-09-3
1. Conto. 2. Literatura brasileira. I
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