Via Arterial toma de assalto o conceito urbanístico de ligação de duas regiões de uma mesma cidade para retratar histórias, pensamentos e personagens passageiros, que habitam todo e qualquer cidadão dos aglomerados urbanos das caóticas metrópoles: nós, rodeados por coadjuvantes efêmeros e protagonistas em nossas ilhas, que se interligam na impessoalidade e anonimato das caras expostas ao longo de um dia. Ademais, as pessoas e as cidades compartilham algo em comum: as artérias, das quais ambas não sobrevivem caso tenham complicações em seus fluxos.
A obra é uma antologia poética delimitada em três temas centrais e fronteiriços: citadino, coronariano e concretude. A cidade é orgânica e transformada constantemente pelos seus transeuntes, ao mesmo tempo em que afeta os organismos nele existentes; o coração, seja qual for o sentimento que carregue e transmita, espraia suas capilaridades pelos logradouros por onde passa, e isto tem as suas consequências sintomáticas; e o concreto, que é compartilhado, é visto com os olhos e enxergado intersubjetivamente. Ao final, todos se entrelaçam, em um tráfego intenso.
Os poemas abordam a inquietude decorrente dessas experiências atravessadas pelo indivíduo nas ruas da cidade, sejam por questões objetivas, como a materialidade da própria vida que se apresenta, sejam por reflexos indiretos, daquilo que é pensado a partir da percepção (ainda) humanizada acerca das relações estabelecidas sobre e sob o concreto urbano. Neste sentido (e em seu oposto, pois é um caminho de mão dupla), Via Arterial tenta estabelecer uma ligação, pela escrita, entre o autor e os leitores.
RENÊ MAURICIO é paulistano de nascença com as raízes em Minas e no Nordeste, cientista social de formação, servidor público e autor de “Reparos”. Suas paixões são fotografar e escrever (não importando a ordem), e as retroalimenta nas páginas @diariodeluzesombra e @fixando.vertigens, do Instagram.
EXÉRCITO DE RESERVA
Em um bar na Celso Garcia
um garoto vende Halls de mesa em mesa
e milhares de vezes
reproduz essa mesma frase que
milhares iguais a ele dizem
diariamente
e essas milhares de palavras iguais e repetidas
marcham em minha mente
como um exército que dissolve a individualidade
e me sensibilizam até
a próxima garrafa
de cerveja
FABIANOS, MEDIANTE OS ANOS
A rotina para os trabalhadores
pode ser desgastante e castradora.
diariamente, em horário comercial
potenciais profissionais
que se identificariam com suas ocupações
são travados nos trilhos dos trens
amarelados por baias em escritórios
esgotados em canteiros de obras
e amontoados em caixas de metal
que mais parecem marmitas
em banho-maria.
a tentativa de retirada da dignidade
cansa a sociedade
e evapora os seus sonhos
ao ponto de torná-la
sem expressão.
e não se é humano
sem se expressar.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
Via Arterial
120 p.; 13 X 18 cm
ISBN 978-65-6064-070-2
1. Poesia. 2. Literatura brasileira.