Fruto rubro agonizante tem como premissa a necessidade de expressar minha condição existencial no mundo. Atravessada por questões relacionadas com a neurodiversidade, gênero e posição ideológica frente ao capitalismo e o CIStema de pensamento colonial. Enquanto escritore acredito nas palavras e sua potência poética como forma de guerrilha e oposição ao estabelecido. É um respiro, um alívio, dentro de um modelo de vida em que certas existências não importam, são suportadas e quando pior indesejadas. A norma culta gramatical não faz parte da concepção, possuindo como característica uma escrita quase automática. Escrevo o que pulsa dentro de mim e despejo em palavras que para mim são mais uma subversão contra a linguagem oficial. Enquanto fruto do mundo sinto a necessidade de falar sobre questões tabus, como suicídio, depressão, violência de gênero, ódio como um sentimento que é nutrido e cultivado em corpos que são violentades. Não há paz e amor que consiga afagar esse sentimento que pulsa em um mundo excludente e cruel que opera e funciona pela exclusão.
Bruna dos Anjos Gomes, é artista independente e trabalha com arte de rua, com teatro, performance, poesia e malabares. A escrita é um hábito que mantém desde a infância e a divulgação desse trabalho se deu inicialmente através da confecção de fanzines. Hoje em dia mantém um perfil no instagram onde publica seus escritos. Tem formação em licenciatura em teatro pela UFBA e dentro das práticas de teatro utiliza fragmentos de poesias de autorais para construção de cenas. É pessoa não binária e neurodiversa, que acredita na arte como espaço possível de expressão de existências marginalizadas por questões diversas e como forma de derrubar muros, cercas, reivindicando espaços.
Rio abaixo rio
Eu vou comer minha própria placenta
Agora que renasci
Antes estava a roer meus ossos
Os ossos que recolhia
Rio abaixo de mim
Frutos de minha própria morte
E eu não sabia se estava me afogando
Ou apenas recebendo o amparo das águas de meu próprio útero
Que me gerava
No subsolo de minha tristeza
E a cada fruto amargo que aquela árvore dava
Ninguém comia
Ficava ali na árvore até apodrecer e cair no chão
Eu estou aprendendo a apodrecer
A cair inútil no chão
Como tantas vezes
E eu ainda me cobro barato na sobrevivência diária
Porque a conta de luz foi perdida
E eu preciso pagar
Senão, meu anúncio já era
E toda e qualquer forma de sobrevivência
Que nesse deserto vai surgir apenas da inspiração
E criatividade de meus sonhos
Que de tão insensatos dizem:
Muros!
Cercas!
Leis!
Ordem!
Não aconteça!
Não exista demais!
E quando existo demais
Minha companhia são esses vermes que vêm devorar minha podridão
Meu fruto amargo passa a ser devorado pelo chão
E pela escuridão de mim
Meu fruto rubro agonizante
Crescendo nesse solo quente e infértil
Meu fruto rubro agonizante
Rompe concretos
Rompe chão.
Suicídio existencial
Eu RG 32982410-7
CPF 36415195867
Grãozinho de areia
Declaro óbito
Morreu
Atravessou paredes e muros
Rebentou o corpo, a pele, inflamada de tanta inadequação
Seguiu com sua bagunça
Abandonando o ódio dentro da ordem
Dissolveu-se no nada
Virou caos
Virou pó
Virou purpurina
Morreu
Pariram seu corpo ao contrário no deserto
Morreu
Encontro a noite dentro de si
E mergulhou.
A hora de dormir
Eu deveria ter tomado cuidado
E não ter ido dormir com o vazio
Deitei e a cama estava repleta de roupas sujas
E eu era parte delas
Antes eu me sentiria parte delas também
Mas, seria de um jeito bom
Eu diria
Sou parte de minhas roupas sujas, porque assim o quero!
Mas, eu comecei a dormir com o vazio e com o tempo me larguei ali
Como a música pode ser tão triste mesmo sem o ser?
O que se faz com carnes, dedos, unhas, enfim, o que se faz?
Eu durmo com o vazio e quando não se pode mais dormir eu acordo
E recomeço a encher meu corpo de veneno
Eu poderia cortar as unhas, polir os móveis, acordar mais cedo
Mas, o que eu quero saber
É o que se faz lá no fundo, bem no fundo.