“O manifesto dos sonhadores” é um compilado de poemas, que brinca de ser manifesto, ensaio acadêmico, roteiro teatral e ocasionalmente um texto precisamente meta-textual. Como todo manifesto, o manifesto dos sonhadores apresenta uma mensagem, com a esperança de persuadir o leitor a ousar sonhar em meio a um mundo insone.
Os poemas da obra poesia questionam a própria natureza da poesia e sua relação com a linguagem e a realidade, e, além disso, os poemas conversam entre si, tratando de temas como: a violência e desigualdade social; a maquinização do ser humano sob o capitalismo; a destruição ambiental, e a marginalização de grupos vulneráveis.
Por outro lado, os poemas também tratam de temas íntimos: sexualidade, emotividade, medos pessoais; aparecem aqui e ali, sutilmente entrelaçados com os outros temas.
A temática dos sonhos que perpetua toda a obra tem sentido tanto metafórico quanto literal. Sonhar com um mundo e tentar fazer o sonho ser realizado, mas também sonhar como alguém que tem uma boa noite de sono. Tanto nossa capacidade de melhorar o mundo quanto nossa capacidade de ter uma boa noite de sono é posta em perigo nos tempos do capitalismo tardio.
Uma quantidade significativa dos poemas foi escrita em noites de insônia, e refletem sobre como a insônia tem uma relação pessoal de atrapalhar a vida do insone, mas também de como ela é resultado de um processo que vai além do pessoal. Como se dorme bem acordando às cinco da manhã para passar uma num ônibus para chegar ao trabalho? Como se dorme bem, enquanto a Amazônia pega fogo, genocídios correm soltos e o fascismo se mantém forte ao redor do mundo?
A obra trata também dos sonhos como mais do que meramente sonhos. De algum modo, os sonhos precisam urgentemente tocar a realidade. A escolha da palavra Manifesto é justamente para trazer a intenção de manifestar o sonho em ato, pois os sonhadores precisam conseguir sonhar, e sonhar sonhos cada vez mais revolucionários, pois é tarefa dos sonhadores mudar o mundo.
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Vinicius Morais tem vinte e quatro anos e é estudante filosofia na UFPB. Atualmente trabalha como professor, compõe músicas e, obviamente, escreve poesia. Tem alguns textos publicados em revistas e em antologias, incluindo a antologia “1001 poetas” da Casa Brasileira de Livros, e a antologia “Poesia Minimalista: ou quase” da TAUP.
Ultrasono (“prelúdio”)
Antes de minhas
noites de insônia
eu dormia na barriga
de uma mulher
*
Violência
É o nome que devíamos dar
para o fato de que garis tenham que lavar
ruas com os nomes daqueles
que torturaram e assassinaram seus semelhantes.
É aquilo que mais permeia a estrutura curricular
de nossas escolas e nosso sistema educacional
e as dezenas de nossos outros sistemas
servindo às vontades do capital.
É a conta de água
a política ambiental
a conta de luz
o preço do feijão
É o sobrenome de cada bilionário de nossa nação
e de cada higienista sensacionalista
que tem seu próprio programa de televisão.
Cenas fortes que os telespectadores
podem achar perturbadoras.
De pessoas dormindo na rua
e sendo tratadas como lixo
pelas autoridades conservadoras
de armas na mão, amadas ou não.