Tratando do corriqueiro cotidiano (e ressignificando-o), a poeta, que traz sob o braço seus textos penetrantes, sinaliza para um horizonte dos mais agradáveis porque agraciado com o sopro que ilumina a alma; falo sopro, pois sua literatura tem uma inclinação oratulizante; a palavra grafada, neste livro, tem DNA de vocalizada sabedoria. Sei, dirão alguns, apenas mais uma (nova) adepta do estranhamento criativo de Manoel de Barros. Não, as raízes de sua poesia voltada para crianças e jovens, a mim me parece, estão mais lá, no iniciozinho do arco-íris, que é a literatura de Mário Quintana, o do Caderno H; de Antônio Barreto, aquele criativo poeta mineiro. Entre o gaúcho, o mineiro e a paraense o “nonsense” é estratégia de escrita; é provocação estética, é, enfim, convite à leitura, leitura que se faz com sede, a cada página “o quero mais” nos impulsionada a outro texto, mais outro, mais...
Outra estratégia assumida aqui é a técnica da bricolagem, às citações que aqui e ali explodem nas páginas, de modo a celebrar personalidades – inventadas ou históricas – Rimbaud, Afrodite, entre outros, ou ainda as que, imagino, são caras à experiência próxima do eu-lírico que se manifesta no poema: a mãe, a avó, meninos e meninas que são chamados ao jogo imaginado do literário.
Giselle Ribeiro trouxe a chave, e ela se chama Minhocas para pescaria.
Paulo Nunes
Giselle Ribeiro, mulher amazônida, professora de teoria literária na ufpa e poeta. Escreve para adultos e crianças. Quando escreve para adultos, mistura as tintas da linguagem prática até formar outro tom, que chamamos linguagem poética. Quando escreve para crianças, também.
igual rimbaud dormindo
ainda pequeno ganhou do pai uma paleta
para dar novas cores às vogais
quando em estado rem
diz querer desafogar palavras
dos seus cheiros de consoante e vogal
esse menino nasceu com os poros abertos
para a desobediência
disse o pai sem grandes preocupações
mãe o céu é um aquário
eu sei que é
Deus é um peixe grande
que todo mundo quer pescar
menino volta para o caderno
faz teu dever de casa
mãe o caderno não tem brilho
não alumia meus olhos
a mãe se ocupou de outra coisa
o menino escolheu descascar os peixes do irmão
para ver melhor o brilho das suas escamas internas
enquanto Deus gostava do que via
ali do seu aquário suspenso
mãe
eu acho que apodreci
eu levantei como você disse
mas outra vez eu caí
Bem-vindo à loja oficial da Editora Toma Aí Um Poema (TAUP), um espaço dedicado à celebração da literatura em suas múltiplas formas e vozes. Desde 2020, publicamos e promovemos obras que desafiam o convencional, oferecendo um catálogo diverso que valoriza autores de minorias sociais, incluindo mulheres, pessoas LGBTQIA+, negras, indígenas, neurodivergentes e outras vozes historicamente marginalizadas. Aqui você encontra poesia, ficção, ensaios e publicações que transcendem os limites do tradicional.