Essa obra foi sendo concebida ao longo de muita vida e muita morte, num contexto pré-pandêmico até os tempos de hoje a partir de percepções sutis, mas também evidentes, de um cotidiano poético e artístico da autora. É sobre uma leitura que pede por movimentação, um exercício simples do olhar no encontro de formas para se brincar e imaginar. E ao mesmo tempo toca em diferentes formas de se viver e sentir, numa perspectiva que considera o pessoal, o relacional, o coletivo e o feminino em sua abrangência. Apoiada na sustentação de que aquilo que se coloca no mundo é mediante nossas próprias experiências e nesse caso não há como escrever o que não se é. A natureza é companheira e fonte inspiradora, seja nas imagens que permeiam a obra que foram criadas a partir do ato de recolher flores, pedras, gravetos, insetos e folhas pelo caminho, seja através do entendimento de pertencimento à ela. Em suma, trata-se de um singelo início para um possível reconhecimento de como prosseguir e se deixar atravessar por outras instâncias e momentos.
Maju Kaiser - é uma mulher que dança, acredita no movimento, nas palavras e na pulsação como forças geradoras de transformação, assim como a alegria, como sinônimo de compromisso com a vida. Artista do corpo, flerta com a poesia, aquarela e colagens e às vezes se arrisca na percussão, nos oráculos e suas tiragens.
PASSAGEM
infância mal aproveitada
rodeada de perigos inventados
faz adulto ser tão chato
submerso em boleto e água turva
não vê mais graça em nada
tudo parece bobeira
bobo mesmo é aquele
que vive sem brincadeira
o riso que era solto
agora tem hora certa
seriedade toma conta
quase sempre em alerta
a gente vê tudo
repara em tudo
sente tudo
percebe tudo
e ainda sim
deixa passar tudo
a vida, o tempo, a energia
a paixão, o sonho, a alegria
a dança, o brilho, a cantoria
o olhar, o carinho, a euforia
o bem-querer
o bem-estar
o bem-viver
o bem-te-vi
passar
[assim como tudo que existe]
*
CORAÇÃO É MÚSCULO
por vezes se contrai
endurece
por vezes se expande
engrandece
é bomba
explosão
de sangue
que circula
é fibra, é feixe
infinito
oxigena
acelera
me ensina sobre a vida
me faz elaborar a morte