Amazonidades: gesta das águas passa por um livro de poesia, mas é muito mais que isso: é um compêndio de Amazônia, uma súmula do imaginário dessa região que se espraia por nove países e, no Brasil, por nove estados, e agora, em domínios de Castela e Leão, funda um virtual território independente, representado pela poesia de Marta Cortezão.
Ler as trovas de Marta é como remexer uma biblioteca de sonhos, o imaginário amazônico, onde todo o conhecimento do “povo das doces águas” está reunido: os acesumes, as comilanças, as leseiras, as caboquices, os encantados – nossos mitos ancestrais. Marta inventa palavras e, como Drummond, torna outras mais belas: “Apeixono-me de escama / em noite de virar bicho”; “canoei todo um rio-mar”; “O que assaranha uma vida?”; “Sevava palavras cruas”; “e na cólera das horas”; “pois janeirava à tardinha”. São apenas amostras. O leitor poderá “caniçar” outras dezenas de exemplos brilhantes.
Duas linhas de pensamento são recorrentes: a sensualidade e a metalinguagem. Às vezes, elas vêm juntas: “A traquinagem do verso / faz vaginar pensamentos; / então me entrego, de certo, / ao falo afoito do vento.” As metáforas são sempre construídas com elementos do imaginário: “Pensamentos escamei, / aparei todas as abas, / as cicatrizes limpei / e salmourei as palavras.” E observem o domínio da métrica e das rimas – toantes, inclusive.
Senhora de seus elementos, Marta Cortezão revela-se, sobretudo, senhora de seu ofício.
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Zemaria Pinto, escritor.
Marta Cortezão é escritora e poeta amazonense, radicada na Espanha desde 2012. Tem realizado vários projetos literários de divulgação e promoção da literatura de autoria feminina no Brasil desde o exterior. Obteve menção de “Destaque” na antologia poética “Nós” (Selo Off FLIP, 2023) com o poema “cartografia de silêncios”. Possui obras (poemas e contos) publicadas em antologias, tanto nacionais como internacionais. Coorganizadora e idealizadora do projeto editorial Enluaradas (poesia contemporânea de autoria feminina). Administra o blogue Feminário Conexões junto a várias escritoras e poetas parceiras. Colunista da revista digital Voo Livre/SP, onde publica artigos sobre poesia contemporânea de autoria feminina. Livros solo: “Banzeiro manso” (Porto de Lenha Editora, 2017), “Amazonidades; gesta das águas” (Penalux, 2021), “Aljavas para Cupido” e “meu silêncio lambe tua orelha” (TAUP, 2023).
E na ribeira do Negro
esperava pelo amigo
que partiu caboclas águas
buscando incerto destino.
⃰ ⃰ ⃰
Cai a chuva de verão
apressada que só ela
mas só chove solidão
em minha triste janela.
⃰ ⃰ ⃰
Carregado empurrador
a cavalos sobe o rio
leva uma balsa de dor
neste coração vazio.
⃰ ⃰ ⃰
À tarde, um largo passeio,
camarão mais tacacá,
jambu no picante cheiro...
E um beijo, me taca cá?
***
Esse teu cabelo duro
modelado no cauxi
é charme caboclo puro,
é belezura sem fim!
⃰ ⃰ ⃰
Dou uma roça de meia
três latas de querosene
e o que tiver no paneiro
por um rio de amor perene.
⃰ ⃰ ⃰
Em meus olhos tudo cabe:
até aquele Rio barrento
copulando com o Negro
em longo dia calorento.
⃰ ⃰ ⃰
Juçara de longos cachos,
deleite-me louca fome
que cobiçosa, me abrasa
delirante, me consome.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
Livro Amazonidades: Gesta das Águas
ISBN: 978-65-83046-12-3
Poesia Brasileira
2ª edição, 1ª impressão
Publicado em 27 de Julho de 2024