“ångelo” está se transformando em diabo. Esta novela, que pode ser interpretada figurativa ou literalmente, acompanha a agonia do personagem durante sua mutação e apresenta um problema ético subjacente: e se estivermos perdendo um pouco da nossa humanidade, em ações e omissões do dia-a-dia, sem perceber? É o que se vê quando ångelo, ao despertar de um coma a princípio inexplicável, coloca sua docência de Ética na Unicamp em risco para investigar as verdadeiras causas da sua recente amnésia – e, claro, por que lhe saíram dois chifrinhos, um de cada lado da testa, da noite para o dia.
Advogado, especialista em Filosofia e Teoria do Direito, Schleiden tem 34 anos.
Começou a escrever aos 18, quando venceu seu primeiro concurso literário: um 1º lugar em um prêmio de contos promovido pela Universidade Federal da Grande Dourados. Desde então, escreveu mais de trezentos contos, duzentas poesias, uma centena de crônicas e uma dezena de romances, no que somam hoje trinta livros (dentre publicados, e não publicados).
Possui obras escritas em todos os gêneros literários, da prosa ao cordel, da não ficção à fantasia, publicadas em todas as regiões do Brasil, em diversas academias de letras, editoras, revistas, coletivos literários, entidades educacionais e da sociedade civil. Dentre alguns dos prêmios mais recentes, destacam-se a seleção no Prêmio Mário Quintana, em 2021, no FEMUP, em 2022, e no Yoshio Takemoto, neste ano. Dentre suas obras publicadas solo estão “Um dedo de prosa e um gole de justiça” (Contos/ Ed. Lumen Juris), “A Bruxa de Paris” (Romance/Cartola Ed.), “De volta à Recoleta” (Novela/Caravana Ed.), e “Vermelho como Brasa” (Poema/Ed. Folheando).
Trecho 1 - Em meados de agosto fui pego de surpresa com a ligação de uma colega da universidade. A princípio, fiquei aterrorizado com o que ela me disse, mas por saber da sua seriedade não tive como não acreditar. Ångelo, meu grande amigo de infância, era um monstro agora. Um monstro! Transformara-se do dia para a noite, ou vice-versa. Ela não soube me dizer ao certo. Nada fazia-o mudar.
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Trecho 2 - Fato é que, no meio do caminho que fizera até o sofá da sala, Ångelo mudou o percurso que tinha em mente; os seus olhos, bem como os seus joelhos roliços, rendiam-se facilmente. Jogou-se à ilha da cozinha, socou a válvula da torneira da pia, escancarou a arcada dentária o máximo que pôde, e, não sem antes errar a mira e quebrar o seu canino esquerdo em algum lugar infausto, produzindo um som agudo e metálico e que reverberou-lhe ao crânio, bebeu daquele jato de água, torrencialmente, até perder os sentidos e desmaiar.
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Trecho 3 - Acompanhou, inerte, impotentemente, o céu a ganhar nuances de azul-marinho, depois paletas de roxo, até que a noite atravessasse as claraboias do teto e abraçasse de melancolia todos os livros de sua minibiblioteca de um catálogo bem desanimador. Salvo-lhe Baudelaire, Drummond e Nietzsche; depois, queria mais é que o sol queimasse Kant e toda a sua laia no fogo do inferno.