"Padre, pequei". Esta frase, que deflagra O revólver do pai, inicia a confissão do protagonista sobre um trauma de infância que marcou toda a sua vida. Esse resgate histórico, familiar, tem forte teor emocional, encabeçado por uma narrativa introspectiva, permeado pela tensão que um bairro inteiro teve durante décadas com relação a um revólver que esteve a todo tempo em condição de disparar.
Schleiden, o X, vem do Direito, das Letras e da Filosofia. Poeta, romancista, contista e cronista, tem na estante três prêmios Mário Quintana, um Yoshio Takemoto, um Paulo Setúbal e um FEMUP, além de guardar com carinho o selo de semifinalista do Prêmio ABERST (2023). É detentor de mais de 50 prêmios organizados por editoras, jornais, academias, universidades, prefeituras, associações literárias e revistas, dentre as quais se destacam a Dragão Brasil e a Mystério Retrô. Usuário do Realismo Fantástico/Mágico, camufla-se quando quer em qualquer lugar, desde o horror e o suspense à fantasia e fábulas infantis. É um vegano defensor do meio ambiente e dos direitos de todos os animais.
— Padre, pequei – Jean confessou para mim naquela manhã geladíssima de agosto. Geladíssima, de doer, de capuz e máscara, de mãos dadas com o som daquele canto gregoriano, que, às sextas-feiras, o reverendo da igrejinha do Alto das Mercês inventou de por para tocar o dia inteirinho.
Eu havia terminado há pouco o meu terço de cento e vinte contas, quando, ao me levantar do banco e prestar o sinal da cruz, para o Cristo lá no alto (que Deus o tenha sentado ao lado), Jean Godin se materializou pela porta lateral da igreja. Aquela cabeçorra tampando metade dos raios de um sol confuso, que invadiu brevemente aquele lugar vazio, só de santos, de imagens, de vitrais mortinhos, apenas o suficiente para eu ter percebido que era ele. Escondi-me como deu. Embaixo dos bancos é que eu não iria me esconder. A idade segurou meus joelhos. Eu não queria vê-lo, e isto para não ter que conversar por educação. Nem um “a”. Não era dia, o tempo estava escasso, o almoço atrasava, a friagem urgia...
Girei nos calcanhares, e, em um salto bambo, besta, atravessei a cortina do confessionário! Achei que ali seria seguro ficar até que a tentação, que a maldição, passasse, mas não. Não é que os passinhos, fileira após fileira, eco após equinho, foram se aproximando até entrar ali? Na mesma cabine em que eu estava? É coisa do capeta, do satanás de botinhas, porque de Deus é que não ia ser. Nunca nem vi o Jean Godin confessar para ninguém. Só sussurrei “misericórdia” e esperei. Que a Virgem o levasse carregado dali. Meu coração batendo a mil, assim, que era mais de desespero.
Ele sentou-se apressado, andado duro, e fechou a cortina de uma só vez. Depois, escorou o guarda-chuva de canto na parede de madeira. Pelas frestas losangulares da janela, de esguelha, confirmei que de fato era ele e me escondi. Foi quando respirou como se não houvesse amanhã e regurgitou:
— Padre, peguei.
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