Poemas das Multidões: Poesia Surrealista é uma experiência sensorial e extra-sensorial, física e metafísica, através da poesia. Nestes versos a interação com o mundo natural, orgânico e elemental mistura-se com sentimentos de amor, desejo, sonho, revolta e aceitação. A poesia surrealista, vertendo do inconsciente, traz imagens e emoções fantásticas, mas também muito fáceis de acessar. O livro é dividido em três cadernos: Caderno Essencial; Caderno de Carretéis e Tarrafas; e Caderno de Pirocinese.
Em Poemas das Multidões o leitor poderá conhecer-me de formas diversas: meus medos, amores, rancores e alegria - em mistura com a beleza única do sonho que toma vida. Muito presentes são as imagens poéticas, através das quais é possível o alcance à magia, fúria e o deleite da paixão.
Walt Whitman revela: “Eu me contradigo? Pois muito bem, eu me contradigo. Sou amplo, contenho multidões” (Folhas de Relva, Canção de Mim Mesmo 51).

Criado entre os pampas do RS e Florianópolis/SC, Arthus Mehanna escreve poesia desde os 15 anos. Hoje, aos 36, doutor em Letras, escreve os sonhos e as lutas cotidianas internas e externas. Apaixonado por arte e poesia, é filho do surrealismo latino-americano e das antropofagias possíveis para quem escreve não apenas para si, mas para a sociedade, política e coração.

Se verso, é com as tintas
das raízes de estrofes
passadas, deitadas
no mundo por mãos
de multidões, deram-me
mais de mim e da Terra
e de outros mundos sonhados,
saudoso e futurístico
sou a multidão contida em Whitman,
a natureza de Thoreau,
a constrangedora de Lorde,
as lentas espirais de fumaça de Quintana,
– os travessões de Dickinson –
a morte de Poe, de Amy, de Billie,
de Fiona, Ana Cristina e Marília.
Sou a poesia árabe que não entendo,
a tríplice face da lua – por que
te isolas no solstício?
Sou as melhores mentes
da geração de Ginsberg e de Safo,
sou o sonho lúcido
e multidimensional de Hausner,
a décima primeira e a última das casas,
os olhos do trigésimo segundo
herdeiro de Édipo,
Ceridwen e Cernunnos,
a obra e matéria prima de Varos,
hospedeiro e desdobrador de galáxias,
o amarelo de Neruda, o chiaroscuro
e inventários de Brand, e de Clarke: seus
poemas de execução,
as dores de Tânia, Zenaide, Hannieh, Anna
e minha irmã,
os ossos dos homens que ceifamos,
o corredor de sangue e a poça coagulada,
Elza, Elis, Burca e Maria,
sou o nome e também a afasia.
Somos multidões quando há letras e tintas
de versos-raízes, sou Arthus como nunca fui, copioso e plural,
me deito com Whitman,
Cavafy e Chacal.
A Terra
jamais é plana
e sempre circular
por ser na carne
o reflexo do movimento
que faz ao se render.
A Terra
sempre plena
e oracular
por ver no movimento
da carne o reflexo
que se rende.
Eu leio
a terra dura
esculpida pelo seu próprio
movimento, refletor
dos redemoinhos
que emergem da profunda
coroa oceânica, encharcada
das visões que já não recuso,
me rendo.
Tenho a cabeça no chão
dos mundos que vivi
e os olhos invertidos
para melhor olhar para dentro
e fora.
Eu vejo outras esferas
nestas plenas pedras,
antes enchendo meus bolsos
e agora lançadas do meu corpo.
Os tempos se fecham
mas a terra se abre
sob a cabeça.
Estou na ponta, à beira do equilíbrio,
num estalo estão leves, sem acaso
estão livres, desamarrados
cachos são tarrafa contra o céu,
e se enroscam no ponto mais alto
da maré sabiá, quando a Via Láctea
é linha de sal na areia, pó de estrelas
solúveis, difusas em sua cadência,
piscianas em sua pesca abissal,
sei do que estou dormindo,
insígnia venturosa de samurai caiçara,
inspira ao subir da maré sabiá,
expira contra as catracas do inconsciente,
e, pelo amor da multidão em mim,
só mais uma tarrafa contra o céu,
antes do coração se pôr, clandestino,
no horizonte do peito, só mais uma,
pelo amor da multidão em ti,
só mais uma, antes da galáxia
clandestina do coração pôr-se
ônibus boca a fora,
atrás das catracas do inconsciente,
pelo amor da multidão em nós,
só mais uma.
Fui pego
como um fora da lei
por ter o Sol
embaixo da língua
antes de um longo caminho
atingido através
de mim mesmo.
Sou incapaz de escrever
sobre nada além
dos cinzas latentes
em sobretons.
Apelo e queimo
esta boca ensolarada enquanto
detenho luz,
parto e deixo
cor alguma livre,
sentença da sombra
para uma mistura cinzenta
de supressão.
Eu queimo minha
boca ensolarada fechada,
queimo minhas linhas
para que tochas de palavras
te levem para um jardim
de caos delicioso.
Deixe a alegre
inércia pousar a primavera
em suas árvores desnudas,
a água pode vestir
raízes com mudança,
eu estarei vestido
em raízes,
livre.
A girafa queima as costelas
onde está encravada
e cada osso em brasa
é a premonição da linguagem falha
triturando a história na carne dos olhos.
Pescoço fumegante infiltra o solo
da clarividência e confunde a guerra iminente
no tempo convergindo em minha direção.
Os rios que cortam o interior da crosta
nos porões do solo
são círculos espelhados,
virtuais à fúria que os conecta
e para sempre tem os oceanos como céu,
e quando feito das múltiplas partes de mim
escorre por seus dedos,
um único grão de areia que te arranhe
a pele já sonha tempestades
no deserto movediço dos lábios-corredeiras
que refletem um Oásis - jardim maldito.
Meu desejo é lençol freático
sonhado para fora do seu submundo,
oásis e palmar venenosos
projetando ondas gigantes
contra o céu que reverbera –
abóbada de areia balançando no redário,
fita de Moebius,
sustentado por muralhas de vitrais
que também refletem
a profundidade de suas raízes,
enterradas nas mesmas águas a golpearem
o firmamento arenoso
do meu corpo de encontro ao teu:
conflito, luta que move.
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