Replantio em terra devastada é uma coletânea de poemas que relatam a visão do autor acerca da evolução da história e da condição do povo negro no Brasil e no mundo. Procura traçar o caminho de onde viemos até o presente momento, de forma a permitir que se vislumbre o próspero afrofuturismo que se avizinha, mas sem perder a noção da gravidade dos temas que ainda ameaçam nossa existência e cidadania. Portanto, trata-se de obra literária que visa conferir ao povo negro uma breve visão poética das muitas adversidades históricas enfrentadas, ressaltando a força de sua luta e resistência.
André Luís Soares (Brasília, 1964) estudou Economia pela Universidade Católica de Brasília nos anos 80. Em 2011 lançou o livro Gritos Verticais, que lhe valeu o Prêmio Cláudio de Sousa na categoria Melhores Livros de Poesia, promovido pela LITERARTE (RJ). Em 2013 o romance Os Irmãos Malês venceu o Prêmio Nacional Novelas Históricas da Bahia, promovido pela Fundação Pedro Calmon/UFBA. Em 2015, o romance Sobre as Vitórias Que a História Não Conta foi um dos vencedores do Prêmio Nacional Oliveira Silveira, promovido pela Fundação Cultural Palmares/pelo Ministério da Cultura (Brasília-DF). Em 2020 venceu o XXIX Concurso Nacional de Poesias Augusto dos Anjos, promovido pela Academia Leopoldinense de Letras e Artes, em Leopoldina (MG).
CARNAVAL NA SENZALA
Meu sinhozim viajou,
hoje tem festa na senzala;
minha gente vai cantar,
sonhando não ser escrava.
Ô Naná... erga as mãos e agradeça a Iemanjá...
Ô Naná, erga as mãos e agradeça a Iemanjá!
Viva essa liberdade,
como quem tem alforria;
coma e beba à vontade,
mesmo que só por um dia.
Ô Naná... soca o milho pra fazer o mungunzá...
Ô Naná, soca o mi pra fazer o mungunzá!
Casa grande hoje é nossa,
traga lenha pra fogueira,
não tem trabalho na roça,
só batuque e capoeira.
Ô Naná... amanhã o chicote vai cantar...
Ô Naná, amanhã o chicote vai cantar!
Peço graças ao Senhor,
agarrado ao velho tessubá;
com as bênçãos de Xangô
a Princesa ainda vai nos libertar...
Ô Naná... o Zumbi também vai nos libertar...
Ô Naná... vou correr, vou fugir, morrer no mar!
Ô Naná, canta um canto bantô pra eu dançar...
Ô Naná... vou correr, vou fugir, morrer no mar!
*
PALAVRAS DE ÉBANO
Eu venho do Éden da pangeia,
do verde orto das florestas
na origem do absinto.
Dormi em mares de areia
e no raro dos oásis
sou a santa humana evolução dos símios.
Quando abraçado por fortuna ateia
o meu legado é forjar destinos.
Carrego em mim essa cor de pele
que colore o mundo,
com a força que a noite congela
em olhar indócil de menino.
Nem sempre a favor dos ventos
cruzei oceanos,
meus braços ergueram cidades
à revelia do sangue e do pranto.
Sou esse espírito que flutua arisco,
jamais alheio aos lírios e cedros
a semear os sonhos de um povo liberto
pela diáspora eternizada
nas notas altas de algum samba enredo.
Herdeiro puro da velha mãe África,
grito e chicote não me metem medo.
Já fui à guerra em meio a leões
e belos deuses de cabelos crespos.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
Coleção Machado Preto - Livro #2
38 p.; 13 X 16 cm
ISBN 978-65-85955-11-9