Ìwà l'ẹwà sintetiza um pensamento yorubá no qual o caráter, a ética e a existência estão associados à beleza, ao ver, perceber e sentir. Não tão distante do que está guardado no português que falamos, já que a origem da palavra estética também reside na ideia de perceber com os sentidos, experienciar e sentir. Nesse conjunto, a autora busca a beleza em sua amplitude, poderoso instrumento de elaboração [do trauma colonial que nos espreita cotidianamente] e celebração da sua existência preta.
São poemas produzidos entre 2021 e 2023, período tão duro da nossa história. Em tempos de desencantamento dos encontros,
ìwà l'ẹwà constrói mundos possíveis, partilhando a beleza da palavra como barro modelador.
Denise Luz nasceu na cidade do Rio de Janeiro, fruto de um casamento interracial e de uma família que veio de longe. É filha de santo e psicóloga clínica. Seus poemas são atravessados pelas vicissitudes de uma existência racializada num ambiente embranquecido. Tem se dedicado a pesquisar representação e produção de subjetividade e acredita no poder da palavra e da imagem para produzir mundo.
inter-raciais
quando passamos de mãos dadas
olhares de desprezo
me encontram na rua
ele não percebe
ele não percebe
os sorrisos maliciosos
de outros homens brancos
quando caminhamos no calçadão
entre nós
não tem só a distância
que separa nossos lábios
tem o oceano atlântico
*
Tradição
Toda manhã
me pergunto
se você já me esqueceu
Toda noite
me pergunto
qual vai ser meu prazo de validade
Nessa terra
meus ancestrais foram vendidos e comprados
que nem bugiganga de plástico made in China
(pelos seus?)
Infelizmente eu conheço a tradição
da descartabilidade
das mulheres
que nem eu
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
Coleção Machado Preto - Livro #9
34 p.; 13 X 16 cm
ISBN 978-65-85955-13-3