Na Carne Absoluta insere-se nesse contexto ao propor uma investigação sensível e crítica sobre a identidade, explorando as tensões entre herança e construção de si. A estrutura da obra reflete essa trajetória de enfrentamento e reconstrução: a primeira parte, Fêmea, evidencia a marca indelével da história e seu impacto na subjetividade do “eu”. Já em Mulher, a narrativa se desloca para um campo de reflexão e resistência, no qual o autoconhecimento se revela como um caminho árduo, porém necessário, para a emancipação.
Com um olhar meticuloso e intuitivo, a autora apresenta uma escrita que supera o relato pessoal, conectando-se a debates teóricos sobre interseccionalidade e as estruturas sociais que configuram a experiência da mulher negra. Aqui, a identidade não se apresenta como uma entidade fixa ou estável, mas como um processo orgânico e dinâmico, em que cada camada de vivência revela novas possibilidades de existência.
Dessa forma, Na Carne Absoluta se estabelece como uma obra que explora as fronteiras entre o pessoal e o político, entre a teoria e a experiência sensível, oferecendo ao leitor um percurso que não apenas analisa, mas provoca, mobiliza e transforma. Trata-se de um convite à reflexão sobre as forças que nos constituem, os discursos que nos moldam e as múltiplas possibilidades de reescrita de si que emergem no ato de narrar e, sobretudo, de sentir.
ANA AGNOLO, natural de São José dos Pinhais e residente em Curitiba/PR, é licenciada em Artes Visuais pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná (UNESPAR/EMBAP). Artista em essência e autora estreante, dedica-se à escrita desde a adolescência, utilizando-a principalmente como uma ferramenta de autoconhecimento. Pautada pela filosofia, espiritualidade e psicanálise, sua produção trata da relação metafísica entre o corpo e a essência imaterial do ser, explorando as conexões entre a experiência humana e aquilo que transcende a percepção sensorial.
Trecho extraído da PARTE I - A Fêmea e as Heranças
HEREDITARIEDADE
Nunca esperei receber coisa alguma de herança
nenhum antepassado meu adquiriu patrimônio
tudo o que eu quiser alcançar
será exclusivamente conquistado por mim
se assim eu fizer por merecer.
Embora eu não tenha visto sequer um real, recebi legados absurdamente grandes.
Minha linguagem genética se move
em protesto ancestral
tem dor indígena, violentada
pelo colonizador da terra, da carne e da cabeça.
Filha da nação canarinha, violada
do meu povo usurparam
recursos e riquezas
mas sobretudo, liberdade e conhecimento
foram anos e anos de desuso intelectual
sou descendente de trabalho braçal.
Minha pele de cor já sabe de cor
que está sempre sob veredito
trago repertório denegrido
em meu próprio idioma
preciso ser esclarecido.
Na terra em que nasci
minha árvore genealógica seca
se as suas raízes não transportarem
o sangue de nobres
europeus.
mulher
nativa
latino-americana
é subgente
desprovida de alma e mente.
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