Pirataria é um livro de poesias urbanas. O autor mergulha nas profundezas das histórias que ecoam pelas ruas da cidade. Inspirado nas narrativas de sua mãe e nas experiências cotidianas, cada poema é uma reflexão das histórias que moldaram sua vida e da cidade que o rodeia.
As palavras fluem das rodas de slam, onde o autor encontrou sua voz e sua expressão. Os poemas transbordam de emoção, capturando memórias, traumas, sonhos e dores que fluem como o trânsito da tarde na cidade agitada.
Este livro é uma homenagem à cidade, uma metrópole inquieta e pulsante, que se torna bela através da cultura que produz e consome. O autor, um pirata poético, desafia as normas para democratizar a poesia, criando espaços de expressão coletiva como o Slam Estrela D’Alva e o Slam Xodó em Santa Catarina.
Com o desejo de compartilhar suas palavras além das páginas impressas, muitas dessas poesias serão vistas e ouvidas pelas ruas da cidade e também nas redes sociais. Muitos dos seus trabalhos já estão disponíveis online, alcançando milhões de visualizações no TikTok e Instagram.
Tem-se também uma homenagem ao tio do autor, um sonhador que não pôde deixar sua marca na poesia. Um poema de sua autoria é incluído no livro, preservando sua memória e legado.
Por fim, Pirataria é uma jornada poética que transcende gerações, um testemunho do amor pela poesia e um convite para que as futuras gerações se inspirem e se expressem livremente.
Angelo Perusso é estudante de letras na Universidade Federal de Santa Catarina, poeta, slammer e slammaster. É organizador e criador do Slam Estrela D’alva, na UFSC, em Florianópolis. Foi criador do Slam Xodó, em Florianópolis, e disputou a final estadual de Slam em 2022, em Santa Catarina, e 2021, no Rio Grande do Sul. Além disso, ministra oficinas de poesia em escolas da Grande Florianópolis e atua como professor de português para imigrantes e refugiados no PET Letras UFSC. Natural de Porto Alegre (RS).
Pobre e desconhecido poeta brasileiro
Morto muito cedo por um policial bêbado
Com o caderno cheio
De músicas e poemas que nunca leram
Meu tio largou a escola cedo
Por ter que priorizar o trabalho
Mas pra compensar a falta de acesso
Andava com dicionário debaixo do braço
E de tanto amar as palavras
Virou poeta
Problema é que meu tio passava muito tempo no boteco
E muito tempo dando soco
Por isso trago punch lines
Que deixam vocês embriagados
Eu vim pra mostrar que poesia
Também pode dar um barato
Eu vim pra dizer pro meu tio
Que quando os meus netos forem pra escola
Ela vai contar o que realmente aconteceu
Na guerra dos farrapos
E poesia marginal vai estar no livro didático
E não a vontade dos núcleos midiáticos
Ou de um evangélico Deus
Eu vim pra dizer pro meu tio
Que o mundo também me assusta
E que os teus medos continuam demandando luta
Jovens garotos e garotas ainda largam a escola
Por precisar de um dinheirinho
É que o mundo ainda é um moinho, tio
E o trabalhador ainda é explorado
E o empresário brasileiro ainda é
No mínimo, mesquinho
Mínimo ainda é o salário
Nascer pobre ainda é viver martírio
É que esse é o projeto tio
Chama capitalismo
E o sonho da criança ainda é só jogar bola
Porque o professor não recebe e não dá aula
E sem estudo só sobra a quadra
Meus amigos do futebol que não vingaram
Por não ter acesso ao estudo como eu
Não aguentaram a dor e se drogaram
Ou hoje, pra ter o pão vendem a alma
É que mesmo sem professor de matemática
Eles entendiam a estatística
É mais fácil tentar ser um, em um milhão
E ganhar algum dinheiro jogando futebol
Do que mudar a vida da família
Através da pública e sucateada educação
Por isso
Se você tem acesso ao estudo
Você é um afortunado
Chegou no fim do arco íris
O aprendizado é o pote de ouro
Então estuda
Aprende!
Aprende história pra não ser enganado
Ciência pra não ser cloroquinado
Geografia pra não ficar perdido
E saber que quando falam em ocidente
Se referem a Europa e Estados Unidos
Nós somos de um terceiro mundo
Alienígenas américo-latinos
Portanto aprendi poesia
Pra revidar e me sentir vivo
E pra dizer pro meu tio:
Desculpa, tio
Pelas minhas linhas
É que infelizmente, hoje ainda
Os poetas trazem más notícias.
*
Sociolinguística poética
Falar português é uma violência
Por isso que soam tão gostoso
Palavras como dengo, cafuné, xodó
É porque elas não foram impostas
Português é a língua de Portugal
Nação que colonizou esse espaço
Antes de 1500
O Brasil falava centena de línguas
Todas indígenas
Depois,
O Brasil falava milhares de línguas: indígenas, africanas, e até europeias
A única que foi imposta
É o português
Por isso quando a gente abrasileira o sotaque
Soa melhor
Por isso quando a gente cria palavras
Soa melhor
Por isso quando a etimologia da palavra não vem do latim
Soa melhor
Porque foi o Brasil que pariu
Essa palavra
E o normal é amar os filhos
Língua é identidade
E cada vez que a gente adapta a língua a nós
Mais brasileira ela fica
E mais a gente se identifica
Cada vez que digo “me diz” ao invés de “diga-me”
Sou brasileiro
A cada vez que mato o “vós”
E chamo “você”
Sou brasileiro
A cada vez que eu falo como eu falo
Lembro dos meus amigos
Da minha mãe
Do meu tio
E sou brasileiro
Eu não falo português
Falo brasileiro
E de preferência
Que eles não me entendam
Afinal não entendem mesmo
Nunca criaram nada do nível do samba, do funk, do carnaval
E também como fariam
Com esse sotaque que mata a vogal?
Respeite a fala de todos
Menos a de quem te colonizou
Eles roubaram nosso ouro
Mas a língua nóis que roubou
E graças a Deus
Porque já não dá pra esconder
Brasileiro
Soa muito melhor do que português.